1 de dez. de 2008

Entrevista: Simonetta Persichetti e o "óbvio eficiente".



Simoneta Persichetti transita pelo mundo da fotografia há mais de 25 anos. É uma das críticas com a lâmina mais afiada sobre o olhar e produção dos fotógrafos brasileiros. Defensora radical, quase militante, da necessidade de formação de repertório de quem fotografa, como sendo a saída possível contra o clichê e a repetição, ela disseca, sem se poupar de ser corrosiva e polemizadora, os caminhos para sre permanecer iventivo e inovar na linguagem. Inimiga do "óbvio eficiente" (ela explica bem isso na entrevista), acredita que a morte da fotografia não chegou com o digital e, se há crise, ela representa oportunidade e transformação para a fotografia e para quem fotografa.

Conversamos com Simonetta em um fim de uma tarde chuvosa em São Paulo, em meio a um café no conjunto nacional. As posições dela são fortes e provocativas, como convém a quem critica. Confiram, vale a pena.

Auto-foco: Em um mundo onde as imagens digitais circulam, e junto, as idéias e referências sobre essas imagens também circulam, talvez até de um modo mais rápido, que fotografia original é possível hoje?

Simonetta Persichetti:
Depende. Eu acho que a fotografia ainda é muito possível, pois se fotografa muito e se mostra pouco. É por isso que temos a impressão de vermos as mesmas coisas. A fotografia possível hoje é a fotografia construída, no sentido que é pensada e organizada como um ato de comunicação e não mais a fotografia feita por fazer. Cada vez mais vamos precisar de fotografias criadas, pensadas, trabalhadas. Trabalhadas no bom sentido, onde ela vai se destacar do "óbvio eficiente", que é o que vemos hoje.

AF: Esse conceito é bom... o "óbvio eficiente", mergulha mais nele!

SP:
Bom, Esse conceito na verdade não é meu, é do Hélio Campos Melo, que é fotojornalista diretor de Redação da revista Brasileiros. Certa vez eu estava o entrevistando quando ele falou que a imagem não perdeu sua competência, perdeu sua eficiência, porque se faz o "óbvio eficiente", ou seja, uma imagem mais pobre, sabendo que ela vai alcançar o maior número de pessoas, num universo dado. O difícil é fazer uma foto que te leve a pensar um pouco mais, refletir sobre o que está feito, que te instigue a pensar.

AF: Mas isso é um problema só da fotografia ou do campo do visual como um todo?

SP:
Do campo do visual como um todo. Agora eu não sou especialista em cinema, enfim. A fotografia está numa crise, mas crise no sentido oriental, na questão de oportunidade e transformação. A grande coisa boa é que com o digital se ajudou a dessacralizar a imagem. As pessoas tratam a imagem hoje de forma lúdica, estão se permitindo experimentar. Acredito que está surgindo uma nova forma de se enxergar, pois estamos em um momento de resignificação da imagem, do conceito do que ela é e de que é fazê-la.

AF: Já que você falou em ressignificação, nessa hipótese a imagem estaria deixando de ser indicial, de ser direta e objetiva, para se voltar a ativar princípios mais do simbólico, do subjetivo.

SP:
Acho que é o contrário. A imagem vai ficar cada vez mais indicial. Cada vez mais conotativa e menos denotativa. Vamos ter a imagem que vai me resolver o problema imediato, mas nos vamos ter cada vez mais imagens capazes de pensar num nível de elaboração cada vez mais eficiente. Nesse momento estamos felizes porque estamos nessa crise. Eu comparo este momento com o surgimento e a invenção da fotografia. Imagine para o homem do século XIX de repente se ver diante de inúmeras imagens fotografiacas que concretizaram seu mundo.,. Pense no "você aperta o botão e nós fazemos o resto" (slogan da Kodak) no fim do século XIX e que a câmera tinha 100 chapas... era quase uma digital! Mas passamos o século XX inteiro com filmes com 12, 24 e 36 chapas... Então estamos no momento de, finalmente entendermos a imagem não só como ilustração e como apoio, mas vendo-a como protagonista da história.

AF: E nesse meio de excesso de imagens, quais são as coisas boas e quais os perigos?

SP:
Perigo é o que sempre existiu, a vulgarização da imagem onde não se vê mais nada. A coisa boa é que quanto mais você faz, mais o olho fica treinado, mais se aprende a olhar, se exercita o ato de ver. Daqui a pouco, acho, as pessoas vão se cansar de fotografar tanto. Antes as pessoas na internet colocavam 200 imagens, hoje elas colocam 30, estão limpando, o cara faz a própria limpeza, e daqui a pouco vai ter 15! Eu sou bem otimista, isso é um passo. Nos Estados Unidos, no século XIX, houve uma cidade, Daguerville, para fazer os daguerreótipos, e que depois sumiu, é por que indica que em um certo momento as pessoas deixam de fotografar. Não vejo problema nas pessoas fotografarem. Para mim seria a mesma coisa se alguém dissesse: vamos parar de alfabetizar os outros porque todo mundo vai saber ler e escrever, - que horror! Acho que a imagem é uma forma de conhecimento, e se pensadores de outras áreas refletirem sobre a imagem teremos um aprofundamento. Temos agora um livro do José de Souza Martins, o "Sociologia da Imagem e da Fotografia", que é um texto fantástico e que indica que as pessoas estão começando a pensar imagem no Brasil e isso é uma coisa que vem também pelo excesso de imagem, esse é o lado bom.

AF: E nesse contexto, como ser crítico de fotografia?

SP:
Não é só nesse contexto, vem desde o início: não dá para ser crítico de fotografia se não se conhece história da fotografia e os fotógrafos. É a única maneira que se tem de perceber se alguém está citando, se referenciando em alguém ou se está plagiando! No caso saber diferenciar de quem está se valendo da possibilidade de que "ninguém conhece, ninguém sabe, e eu posso passar por bacana", de quem realmente está fazendo um trabalho, se esforçando. É isso que vale. Cansa, pois é um esforço de ver muita coisa, mas as boas coisas também não são tantas. Além disso, tem que saber que linguagem e tecnologia não se dissociam. Saber que muitas vezes uma estética também depende da tecnologia disponivel. Tem que se saber se o fotógrafo está fazendo foto ou se está brincando com o photoshop, que é o que vemos muito hoje. Tem que ter referência. Por exemplo se alguém diz que está fotografando a intimidade, o cotidiano e que isso é novo, bem... Desde o inicio da fotografia se faz isso. E só para citar um exemplo, temos a Nan Goldin que fez isso de forma excelentemente. No Brasil, só para citar outro exemplo, o Luis Humberto de Brasília, e assim vai. Essa coisa quem te dá é a história da fotografia.

AF: Então é a estética que veste o assunto, ou só é o assunto, ou são as duas coisas juntas?

SP:
São as duas coisas. Acredito que a estética é que é formadora do discurso. Depende de como o fotógrafo aborda o assunto e como ele o veste. Mas tem que se ver se é um vestir que está propondo alguma coisa ou se está plagiando algo que já foi feito. Hoje em dia eu vejo mais um receituário iconográfico, do tipo: é assim que se faz, e todo mundo faz assim, vamos seguir a receita! Eu vejo muito isso.


Entrevista concedida no Conjunto Nacional, São Paulo/SP em 18 de Novembro de 2008.

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1 Comentários:

Às qua. dez. 03, 04:59:00 PM 2008 , Blogger Nina Velasco disse...

Em relação à comparação que se faz entre a fotografia digital e ao primeiro momento de popularização da Kodak, acho que há uma diferença crucial. Na verdade, a fotografia digital não representa apenas uma multiplicação das tomadas possíveis com uma câmera (filme), mas também a visualização imediata da imagem produzida. Isso só foi possível muito depois, com as polaroids... que mesmo assim sempre foram muito caras. Acredito que o ato fotográfico está se tornando cada vez mais uma experiência mediadora, sem que necessariamente as imagens resultantes precisem perdurar e serem revistas posteriormente.

 

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