25 de jul. de 2010

O problema da memória... antes que me esqueça!


Leia antes de esquecer!

Tem circulado na rede, através da Lista de discussão da Fototech, por inicativa de Clício Barroso, um documento seminal para quem se preocupa e presta atenção na questão de preservação de arquivos digitais.

A leitura do documento toca em assuntos centrais sob o ponto de vista tecnológico para o problema da memória digital. O Dilema Digital – Questões estratégicas na guarda e no acesso a materiais cinematográficos digitais, está disponível gratuitamente no site da Cinemateca Brasileira.

No mesmo tema, republico aqui trecho de um artigo que escrevi em 2002, ainda no doutorado, sobre o problema de métodos para preservação de conteúdos digitais. Está com quase uma década de atraso, mas dialoga com o presente.

A adoção sem planejamento de pacotes tecnológicos para preservação de acervos digitais, grosso modo, gera duas problemáticas diretas: a manutenção da memória em forma de dados, e a adaptação do capital humano à cadeia de produção. Como ambas, a nosso ver, são derivadas do impacto da adoção de novas tecnologias, iremos aqui desenvolver cada um desses pontos.

O primeiro, a questão dos modelos tecnológicos que mantenham o funcionamento da memória do trabalho do fotógrafo como elemento da cadeia de produção. Com a propagação de recursos em hipermídia, a adoção de bancos de dados internos de imagem vem sendo uma tendência.

Porém percebemos que há problemas que podem surgir justamente ao se adaptar uma geração de informações para uma plataforma tecnológica subseqüente. Parece simples e evidente a transcrição de um volume de informações de um modelo a outro. Apenas parece. O problema pode complexificar-se bastante e, por contraditório que possa parecer, é perfeitamente possível gerarmos um patamar de extinção de conteúdos digitais.

Essa discussão já é bem presente na área de informática, tentaremos aqui traduzir com razoável eficiência para o centro do nosso interesse. Na fotografia digital pouco se reflete sob as relações de compatibilidade tecnológica, entre o conteúdo de acervos passados e antigos, com o arranjo de interfaces que permitam a utilização e recuperação de dados de arquivo.

A possibilidade da extinção dos dados digitais poderá ocorrer por três razões:

· Porque os programas que usamos, hoje, para criar arquivos digitais, podem não estar mais disponíveis daqui a 50 anos, por exemplo.

· Mesmo estando disponíveis, não estejam mais lendo formatos de 50 anos atrás.

· Mesmo que lessem, os de tantos anos atrás foram gravados sobre peculiaridades de hardware (máquina) e software (sistemas operacionais, por exemplo) para os quais talvez não haja, no futuro, formato compatível de leitura.

Há técnicas que poderiam estar sendo usadas para preservar conteúdo digital, cada uma com seus prós e contras, além dos custos. Uma reportagem de Technology Review de outubro de 2002 ("Data Extinction"), classifica os métodos de preservação digital em quatro: migração, emulação, encapsulamento e "computador virtual universal". Vamos por partes.

Migração é talvez o mais simples e consiste em converter, sempre que necessário, todos os dados que se quiser preservar para o(s) formato(s) da próxima geração de ferramentas. Até certo ponto, funciona: mas, a cada conversão, se perde detalhes do passado, assim, o que se tem depois da conversão é uma cópia corrompida do documento antigo. O calcanhar de Aquiles desse método é certamente só um: o custo da conversão de largas escalas da informação. Só isso, em si, pode ser insuportável para a maioria das instituições e/ou profissionais, o que as levará a escolher o que será preservado, correndo o risco de, no futuro, descobrir que certas "inutilidades" que não foram convertidas eram essenciais. Nada a fazer, nesse caso. Os dados estariam extintos.

Os processos de encapsulamento e emulação têm em comum o fato de simularem um estado tecnológico (do binômio hardware + software) para um estado de coisas onde esse conjunto não exista. A vantagem é que não seria preciso mexer nos arquivos originais, que poderiam ser abertos aq qualquer hora. A desvantagem, óbvia, é que, anos depois, o próprio emulador ou encapsulador podem não funcionar mais, por não terem bases operacionais capazes de executá-los. Resolve alguma coisa, mas daqui a cem anos pode não resolver nada.

O UVC ou, Computador Universal virtual. Nasceu da idéia de Raymond Lorie, da IBM, consiste em definir um computador virtual universal (UVC) muito simples, que simularia para quem quer que criasse um novo formato de armazenamento, um programa para o UVC, que fosse capaz de decodificar os dados escritos no formato. Daqui a cem anos, tudo o que seria preciso para ler tais dados era ter, na plataforma de hardware ou software que fosse fazê-lo, um emulador do UVC.

A problemática do desaparecimento de dados, e conseqüente perda da referência documental da informação existentes está longe de ser superada. O que temos hoje são paliativos, como os Back-ups que envolvem custos e perda de tempo toda vez que se deseja migrar dados de um sistema para outro.

Então, mesmo não havendo, um relação sine-qua-non, de desaparecimento dos suportes anteriores, com esses, por sua vez, continuando a evoluir e se adaptando à nova realidade, há o problema de preservação do conteúdo em bases digitais. Problema que afeta, no caso do fotografia, a compatibilização de interfaces de uso e acesso no sentido de apresentar informações do passado com integridade. Essa é parte do problema que geralmente está fora de toda discussão sobre convergência ou sobre projeto de interfaces.

Certo mesmo é que ao se preocupar com a memória, junto vem a dinâmica do esquecimento. Enquanto isso, "soluções" de back-up dos desenvolvedores de TI são propostas hoje para os problemas de ontem.

Quem ganha? Poucos. Quem perde? Todos.

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1 Comentários:

Às dom. jul. 25, 12:37:00 PM 2010 , Blogger clicio disse...

Afonso,

Obrigado pela citação e parabéns pela lucidez ao expor o problema do digital.
Abraços,
Clicio

 

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