A difícil tarefa de mostrar a guerra
Texto enviado pelo nosso colega Guido Cavancante.
Em dia pós-prêmio do WPP ilustra muito bem como se ativam os princípios da agenda midiática e do framming, ou seja, como o fato será coberto e, obviamente, fotografado. Bom para pensar. Já fica, de quebra, a segunda dica de premiação para o WPP 2011. A mega-ofensiva no Afeganistão.
================
Uma vasta ofensiva está para ser desencadeada em alguns dias mais por milhares de marines, tropas da OTAN e soldados afegãos, para um ataque decisivo contra a cidade de Marjah, na província de Helmand, uma bem defendida posição dos talibãs. Esta está sendo considerada pelos estrategistas como uma ofensiva decisiva na longa guerra do Afeganistão, que já dura oito anos. É nesse contexto de guerra, que surge uma questão para os fotógrafos que estão cobrindo as operações. A maioria das imagens que temos visto da guerra do Afeganistão, são produzidas por fotógrafos “incorporados” às unidades em operação. É o que de uma maneira geral se denomina “embedded journalism”, um termo que tem uma conotação depreciativa, desde quando foi utilizado pela primeira vez em 2003, durante a invasão do Iraque. Esse termo explicita a forma de contrato para obter permissão para acompanhar de perto as operações das tropas na frente de combate. Tal coisa aconteceu depois dos protestos da mídia, impedida na época de cobrir integralmente a 1ª Guerra do Golfo. Posteriormente, na 2ª Guerra, que terminou com a captura de Saddam Hussein, foi estabelecido essa espécie de “contrato”, quando centenas de fotógrafos foram integrados às unidades americanas na frente de combate.
Essa forma de “convivência” entre a imprensa e os militares é tida como uma relação degradada, pois a primeira vítima seria a própria independência do jornalista ou do fotógrafo trabalhando “incorporado” em uma unidade militar. Isso é fácil de entender: para os militares, a primeira tarefa é, simplesmente, ganhar a guerra. Como vencer a guerra da informação é parte integral desse esforço, não é difícil imaginar que a informação e a própria “verdade” venham truncadas, para não beneficiar o inimigo com uma eventual revelação ou informação que ele possa utilizar.
É claro que esse sistema, ainda que os jornalistas e fotógrafos “incorporados” nas tropas continuem a trabalhar com coragem e dedicação, sempre vai permitir algum tipo de censura ou vai limitar a atividade: os regulamentos para incorporação determinam, inclusive, que um fotógrafo só pode vender ou publicar a imagem de um soldado morto ou ferido, depois da permissão dada pelo ferido ou, no caso de morte, somente depois que o exército notificar a família do morto.
O maior problema que o jornalismo “incorporado” sofre é uma perde de perspectiva crítica sobre o que significa realmente uma guerra. Foi o valor dessa mesma perspectiva crítica que permitiu uma cobertura independente e tão decisiva, como foi a cobertura da Guerra do Vietnam, quando jornalistas e fotógrafos entravam livremente nas zonas de combate. Hoje em dia não é mais possível entrar livremente nas zonas dominadas pelo Taliban – uma das consequências da “guerra ao terror”- pois você simplesmente seria morto ou, com muita sorte, na melhor das hipóteses, teria que pagar um bom resgate para salvar a vida. As imagens de combate hoje em dia se ressentem de engajamento crítico na realidade, pois vemos soldados em combate, mas nunca vemos as consequências da guerra sobre a população. São imagens que sentimos como produtos de uma fórmula ou seja, as imagens são parte integral do esforço de guerra. A crítica ao jornalismo incorporado surge então da seguinte forma: têm as imagens produzidas atualmente nas guerras do Iraque e Afeganistão, a incrível proeminência que possuíram as imagens obtidas pelos fotógrafos no Vietnam? Você consegue lembrar de alguma imagem do Iraque ou Afeganistão que tenha produzido o impacto semelhante àquela foto da menina vietnamesa correndo com o corpo queimado por napalm e que comoveu o mundo? Com certeza que não! O que acontece é que muitas imagens são produzidas atualmente, mas nelas nós vemos cada vez menos a grotesca realidade da guerra.
Um exemplo de independência foi o extraordinário trabalho de Peter Turnley na 1ª Guerra do Golfo, quando ele chegou sozinho naquela que ficou conhecida como “a milha da morte” ou a “rodovia da morte”, o trecho da estrada ligando o Kwait ao Iraque, onde o exército de Saddam Hussein estava em retirada depois da derrota diante dos aliados no Kwait. As imagens de Turnley são a verdadeira face daquela guerra que, para a maioria de nós, ficou conhecida apenas como uma guerra de “videogame”. Turnley mostrou a verdadeira face da guerra, que víamos apenas como distantes colunas de fumaça no deserto ou os relâmpagos noturnos nas telas esverdeadas da TV.
http://digitaljournalist.org/issue0212/pt_intro.html
Post enviado por: Guido Cavalcante.
Marcadores: afeganistão, agendamento, framming, jornalismo incorporado, unilateralidade
0 Comentários:
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial